Por que as Olimpíadas de Paris serão históricas para as mulheres no esporte: ‘Revolução total’ e ‘nunca imaginamos’
- Jalile Elias e Matheus Castro
8 de mar, 2024, 07:25
O 8 de março é conhecido internacionalmente como o Dia da Mulher, mas essa data em 2024 também marca a contagem de 140 dias para as Olimpíadas de Paris.
E esses dois fatos se encontram em um momento histórico: a 33ª edição dos Jogos Olímpicos de Verão será a primeira com o mesmo número de atletas homens e mulheres. A expectativa é que a igualdade numérica de gênero prevaleça entre os 10.500 atletas que devem disputar as mais diversas modalidades em todo o território francês.
Ainda há vagas em disputa em esportes mistos (hipismo) e também a possibilidade de algum classificado acabar desistindo da disputa. Assim, o número exato de homens e mulheres em Paris-2024 só será conhecido depois do torneio. Mas a expectativa do Comitê Olímpico Internacional (COI) é que a proporção de atletas homens e mulheres em Paris-2024 seja de 50%.
Segundo uma previsão do Comitê Olímpico do Brasil (COB), a própria delegação brasileira também deve ter um número igual ou até superior de mulheres nas Olimpíadas de Paris, algo também inédito. Atualmente, 162 vagas já foram conquistadas, sendo a maioria feminina.
E são as palavras das próprias atletas mulheres que mostram o tamanho dessa conquista: “Uma revolução total” e “nunca imaginamos que isso seria possível”.
A ESPN ouviu diversas atletas brasileiras classificadas (ou praticamente garantidas) para as Olimpíadas de Paris justamente sobre esse marco de igualdade numérica nos Jogos e também as dificuldades que as mulheres ainda enfrentam no esporte.
“Historicamente falando é muito importante. A gente, mulherada, nunca imaginou que isso seria possível. Essa forma de igualdade vem para poder trazer mais mulheres para o esporte”, disse Ana Marcela Cunha, atual campeã olímpica da maratona aquática.
“É uma revolução total. Essa questão da representatividade é bem importante. O pentatlo está nas Olimpíadas para as mulheres só de 2000 em diante, mas é um esporte que está desde 1912 nos Jogos Olímpicos para os homens”, completou Isabela Abreu, classificada para Paris-2024 no pentatlo moderno.
O caso do pentatlo não é uma exceção. Muitos esportes começam exclusivamente como masculinos ao longo da história olímpica. Os primeiros Jogos da Era Moderna, em Atenas-1896, só tinham atletas homens.
Em Paris-1900, as mulheres participaram pela primeira vez, mas correspondiam apenas a 2% de todos os esportistas. O boxe, que está no programa olímpico desde 1920, foi o último esporte a abandonar a exclusividade masculina e isso só ocorreu em Londres-2012.
Agora, 128 anos depois da primeira edição das Olimpíadas, a Cidade Luz volta a ser um palco importante para elas. Depois da capital da França se tornar a primeira sede com mulheres competindo, elas conquistaram após muita luta a igualdade numérica. Até por isso, a igualdade de gênero aparece até no logo de Paris-2024, que mistura a forma da tocha olímpica, uma medalha e o rosto de uma mulher..
Marianne, como explica o Comitê Organizador dos Jogos, simboliza a força feminina e é uma imagem universal para o povo francês, que até já foi “retratada” em uma obra de arte icônica da Revolução Francesa.
Mais a conquistar:
Igualar o número de atletas é uma conquista e tanto. Mas a batalha está longe de ser vencida por completo. Taciana Pinto, gerente de Desenvolvimento Esportivo do COB e membro da Comitê Mulher no Esporte do COB, abre a reflexão.
“Essa discussão também traz à tona uma pergunta se realmente isso é uma igualdade ou se é só uma igualdade numérica. A gente sabe que ainda existe muita desigualdade no suporte que essas atletas recebem e nas comissões técnicas que estão dentro dos Jogos Olímpicos. Então, é importante a gente celebrar, mas também refletir que tem outros caminhos que precisamos alcançar”.
As atletas que estão classificadas para Paris-2024 não escaparam de diversas dificuldades apenas por serem mulheres, recebendo menos oportunidades no esporte.
“É muito difícil ser mulher no Brasil e esse estresse também atinge a nossa performance no esporte. Então, ter que lidar com tudo dentro e fora da mesa é muito difícil”, relatou Bruna Takahashi, atleta brasileira que ocupa 21ª posição do ranking mundial de tênis de mesa.
“A gente tem que passar muita coisa. Eu tive que superar muitas faltas, que acho que pesam mais para o lado da mulher do que para o homem. Então cada dia mais é uma luta. Isso tem melhorado, as mulheres estão cada vez com mais voz e mais força”, completa Ingrid Oliveira, dos saltos ornamentais.
A desigualdade é visível na quantidade de meninos e meninas nas “categorias de base”, o que acaba até provocando situações um tanto quanto constrangedoras.
“No começo era difícil, sempre tinha piadinhas e tudo mais. Quando eu comecei a treinar, eu lutava mais com homens do que com mulheres pela falta de meninas no esporte. Isso me incomodava muito. Por que as piadas, só porque eu sou mulher? Então, eu ia lá e batia neles”, conta Caroline Santos, a “Juma”, do Taekwondo.
Mas mesmo com essas diferenças em investimentos e estrutura, as brasileiras cada vez mais conquistas resultados impressionantes. A seleção brasileira de tênis de mesa alcançou uma inédita classificação às oitavas de final no Mundial por equipes da modalidade no mês passado, e as Yaras, apelido da seleção feminina de Rugby Sevens, estão garantidas em mais uma edição dos Jogos, após passarem por países tradicionais e terminarem em 7º lugar na World Series.
“Lá em 2016, o masculino ganhava muito mais dinheiro que a gente de salário. Isso deixou a gente muito triste porque a gente também trabalha tanto quanto os meninos. Não é que a gente queira ganhar mais que eles. A gente só queria a mesma chance de batalhar por um salário parecido. Hoje, nós conquistamos 21 vezes o Sul-Americano (que dá vaga para as Olimpíadas) e agora os salários são parecidos”, contou Luiza Campos, uma das principais jogadoras das Yaras.
Mas enquanto superam as dificuldades e lutam por medalhas no esporte, são essas atletas que também estão inspirando uma nova geração de meninas e mulheres.
“Desde pequena, a Juma sempre foi minha inspiração. Um dia eu quero ser como ela. Eu gosto muito de treinar com ela. Quando a vi pela primeira vez, foi um choque, mas fiquei muito feliz. Antes eu só via ela na TV e quando você vê pessoalmente, a gente acaba ficando nervosa”, contou Heloísa Bastos, a fadinha do taekwondo, que tem apenas 13 anos, treina com atletas olímpicos e já sonha com sua própria medalha de ouro.
“É uma honra (inspirar as mulheres mais novas). Sei como é importante a gente ter alguém para poder se inspirar. A Daiane do Santos foi uma inspiração para mim. Então, sempre dou o meu melhor porque faz muita diferença você ter alguém para se espelhar na vida. Eu quero ser como ela!”, resume a ginasta Rebeca Andrade, um dos principais nomes do esporte brasileiro no momento.
O 8 de março é conhecido internacionalmente como o Dia da Mulher, mas essa data em 2024 também marca a contagem de 140 dias para as Olimpíadas de Paris.
E esses dois fatos se encontram em um momento histórico: a 33ª edição dos Jogos Olímpicos de Verão será a primeira com o mesmo número de atletas homens e mulheres. A expectativa é que a igualdade numérica de gênero prevaleça entre os 10.500 atletas que devem disputar as mais diversas modalidades em todo o território francês.
Ainda há vagas em disputa em esportes mistos (hipismo) e também a possibilidade de algum classificado acabar desistindo da disputa. Assim, o número exato de homens e mulheres em Paris-2024 só será conhecido depois do torneio. Mas a expectativa do Comitê Olímpico Internacional (COI) é que a proporção de atletas homens e mulheres em Paris-2024 seja de 50%.
Segundo uma previsão do Comitê Olímpico do Brasil (COB), a própria delegação brasileira também deve ter um número igual ou até superior de mulheres nas Olimpíadas de Paris, algo também inédito. Atualmente, 162 vagas já foram conquistadas, sendo a maioria feminina.
E são as palavras das próprias atletas mulheres que mostram o tamanho dessa conquista: “Uma revolução total” e “nunca imaginamos que isso seria possível”.
A ESPN ouviu diversas atletas brasileiras classificadas (ou praticamente garantidas) para as Olimpíadas de Paris justamente sobre esse marco de igualdade numérica nos Jogos e também as dificuldades que as mulheres ainda enfrentam no esporte.
“Historicamente falando é muito importante. A gente, mulherada, nunca imaginou que isso seria possível. Essa forma de igualdade vem para poder trazer mais mulheres para o esporte”, disse Ana Marcela Cunha, atual campeã olímpica da maratona aquática.
“É uma revolução total. Essa questão da representatividade é bem importante. O pentatlo está nas Olimpíadas para as mulheres só de 2000 em diante, mas é um esporte que está desde 1912 nos Jogos Olímpicos para os homens”, completou Isabela Abreu, classificada para Paris-2024 no pentatlo moderno.
O caso do pentatlo não é uma exceção. Muitos esportes começam exclusivamente como masculinos ao longo da história olímpica. Os primeiros Jogos da Era Moderna, em Atenas-1896, só tinham atletas homens.
Em Paris-1900, as mulheres participaram pela primeira vez, mas correspondiam apenas a 2% de todos os esportistas. O boxe, que está no programa olímpico desde 1920, foi o último esporte a abandonar a exclusividade masculina e isso só ocorreu em Londres-2012.
Agora, 128 anos depois da primeira edição das Olimpíadas, a Cidade Luz volta a ser um palco importante para elas. Depois da capital da França se tornar a primeira sede com mulheres competindo, elas conquistaram após muita luta a igualdade numérica. Até por isso, a igualdade de gênero aparece até no logo de Paris-2024, que mistura a forma da tocha olímpica, uma medalha e o rosto de uma mulher..
Marianne, como explica o Comitê Organizador dos Jogos, simboliza a força feminina e é uma imagem universal para o povo francês, que até já foi “retratada” em uma obra de arte icônica da Revolução Francesa.
Mais a conquistar:
Igualar o número de atletas é uma conquista e tanto. Mas a batalha está longe de ser vencida por completo. Taciana Pinto, gerente de Desenvolvimento Esportivo do COB e membro da Comitê Mulher no Esporte do COB, abre a reflexão.
“Essa discussão também traz à tona uma pergunta se realmente isso é uma igualdade ou se é só uma igualdade numérica. A gente sabe que ainda existe muita desigualdade no suporte que essas atletas recebem e nas comissões técnicas que estão dentro dos Jogos Olímpicos. Então, é importante a gente celebrar, mas também refletir que tem outros caminhos que precisamos alcançar”.
As atletas que estão classificadas para Paris-2024 não escaparam de diversas dificuldades apenas por serem mulheres, recebendo menos oportunidades no esporte.
“É muito difícil ser mulher no Brasil e esse estresse também atinge a nossa performance no esporte. Então, ter que lidar com tudo dentro e fora da mesa é muito difícil”, relatou Bruna Takahashi, atleta brasileira que ocupa 21ª posição do ranking mundial de tênis de mesa.
“A gente tem que passar muita coisa. Eu tive que superar muitas faltas, que acho que pesam mais para o lado da mulher do que para o homem. Então cada dia mais é uma luta. Isso tem melhorado, as mulheres estão cada vez com mais voz e mais força”, completa Ingrid Oliveira, dos saltos ornamentais.
A desigualdade é visível na quantidade de meninos e meninas nas “categorias de base”, o que acaba até provocando situações um tanto quanto constrangedoras.
“No começo era difícil, sempre tinha piadinhas e tudo mais. Quando eu comecei a treinar, eu lutava mais com homens do que com mulheres pela falta de meninas no esporte. Isso me incomodava muito. Por que as piadas, só porque eu sou mulher? Então, eu ia lá e batia neles”, conta Caroline Santos, a “Juma”, do Taekwondo.
Mas mesmo com essas diferenças em investimentos e estrutura, as brasileiras cada vez mais conquistas resultados impressionantes. A seleção brasileira de tênis de mesa alcançou uma inédita classificação às oitavas de final no Mundial por equipes da modalidade no mês passado, e as Yaras, apelido da seleção feminina de Rugby Sevens, estão garantidas em mais uma edição dos Jogos, após passarem por países tradicionais e terminarem em 7º lugar na World Series.
“Lá em 2016, o masculino ganhava muito mais dinheiro que a gente de salário. Isso deixou a gente muito triste porque a gente também trabalha tanto quanto os meninos. Não é que a gente queira ganhar mais que eles. A gente só queria a mesma chance de batalhar por um salário parecido. Hoje, nós conquistamos 21 vezes o Sul-Americano (que dá vaga para as Olimpíadas) e agora os salários são parecidos”, contou Luiza Campos, uma das principais jogadoras das Yaras.
Mas enquanto superam as dificuldades e lutam por medalhas no esporte, são essas atletas que também estão inspirando uma nova geração de meninas e mulheres.
“Desde pequena, a Juma sempre foi minha inspiração. Um dia eu quero ser como ela. Eu gosto muito de treinar com ela. Quando a vi pela primeira vez, foi um choque, mas fiquei muito feliz. Antes eu só via ela na TV e quando você vê pessoalmente, a gente acaba ficando nervosa”, contou Heloísa Bastos, a fadinha do taekwondo, que tem apenas 13 anos, treina com atletas olímpicos e já sonha com sua própria medalha de ouro.
“É uma honra (inspirar as mulheres mais novas). Sei como é importante a gente ter alguém para poder se inspirar. A Daiane do Santos foi uma inspiração para mim. Então, sempre dou o meu melhor porque faz muita diferença você ter alguém para se espelhar na vida. Eu quero ser como ela!”, resume a ginasta Rebeca Andrade, um dos principais nomes do esporte brasileiro no momento.
(Espn)