Indicador teve melhora no pós-pandemia, mas ainda há cerca de 3,5% dos brasileiros extremamente pobres. Governo brasileiro quer Aliança Global contra Pobreza
O Brasil amarga a segunda pior posição entre os países membros do G20, grupo das 19 maiores economias do mundo além da União Europeia, quando se trata de população vivendo abaixo da linha da pobreza. Cerca de 3,5% dos brasileiros eram extremamente pobres em 2022. O país só perde para a Índia, cuja taxa era de 12,9% em 2021, último dado disponível.
É o que mostram os dados divulgados pelo IBGE nesta terça-feira. Os números fazem parte da publicação ‘Criando sinergias entre a Agenda 2030 e o G20 – caderno Desigualdades’. O estudo reúne sete indicadores globais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU e apresentam um retrato das desigualdades entre os países do G20.
O Brasil assumiu a presidência rotativa do G20 neste ano, quando o grupo passa a ter entre seus membros a União Africana. O objetivo do estudo do IBGE é oferecer subsídios às discussões que serão realizadas durante a Cúpula de líderes do G20, que será realizada em novembro no país. O levantamento, porém, só tem dados de nove países para o tema pobreza.
Uma das bandeiras do governo brasileiro é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Está no escopo a tentativa de garantir financiamento de programas sociais voltados à redução da pobreza. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estará semana que vem em Washington para tratar do assunto.
O Brasil experimentou uma queda na proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, com o percentual caindo de 5,8% em 2021 para 3,5% em 2022. A Indonésia, que é o terceiro colocado no ranking de pobreza, também registrou um decréscimo de um ano pro outro, de 3,5% para 2,5%. Não há dados de 2022 disponíveis para a Índia.
Na França, 0,1% vive na extrema pobreza
Na outra ponta, a proporção da população vivendo abaixo da linha pobreza na França era de 0,1%, e 0,2% nos Estados Unidos e no Reino Unido, em 2021, também últimos dados disponíveis.
— Isso mostra a desigualdade entre os países do G20 — destaca Denise Kronemberger, gerente de relações institucionais do IBGE.
1ª reunião de Ministros de Finanças e Presidentes de Bancos Centrais do G20
Reunião dos ministros das Finanças do G20 começou nesta quarta-feira (28), em São Paulo
Segundo ela, a pandemia agravou o nível de pobreza entre os países, e muitos ainda custam a se recuperar de seus efeitos. Além disso, países em desenvolvimento têm historicamente taxas de pobreza mais elevadas, apesar de alguma queda entre essas nações.
A pesquisa utiliza como referência a linha de pobreza definida pelo Banco Mundial. Considera-se pobre quem vive com menos de US$ 6,85 por dia e extremamente pobre quem vive com menos de US$ 2,15 por dia, portanto, abaixo da linha da pobreza.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU usa a linha de US$ 2,15 por dia como referência para definição de metas a serem alcançadas.
Queda da pobreza em 2023
Dados levantados por Marcelo Neri, diretor do FGV Social, indicam que a pobreza no Brasil tende a ter recuado ainda mais em 2023. O economista estima que a renda real domiciliar per capita saltou 12,5% no ano passado, sendo a maior alta desde o plano Real. Com aumento da renda do brasileiro, a expectativa é de que a proporção de pessoas abaixo da linha da pobreza apresente retração.
Neri explica que, se o ano de 2022 já revelou redução da pobreza em meio à recuperação da pandemia e a maior concessão de benefícios (como valor maior do Bolsa Família) no ano eleitoral, o ano de 2023 contou ainda com outros incentivos.
Fatores como a alta da renda do trabalho, a valorização do salário mínimo e o aumento do valor médio do Bolsa Família – considerando o incremento de R$ 150 por criança de 0 a 6 anos para as famílias beneficiárias – ajudaram a reduzir a pobreza no ano passado.
— Foi um ano fora da curva, melhor até do que anos bons do que tivemos no passado de quando a pobreza caía no Brasil. (…) Acho difícil de outros países (como Índia e Indonésia) acompanharem (essa redução), mas são concorrentes difíceis no longo prazo porque têm uma questão demográfica importante. No fundo, nosso maior desafio vai ser reduzir a desigualdade no prazo mais longo. E as ações precisam ser pensadas, é preciso ter fôlego — afirma.
Na liderança do G20 este ano, o Brasil teria uma janela de oportunidade para discutir formas de reduzir desigualdades e combatera pobreza, afirma Neri. Isso porque, na visão do economista, o grupo tem uma preponderância econômica nos debates. E o Brasil, que possui necessidades e preocupações mais sociais, pode ajudar a equilibrar os dois lados da moeda ao sugerir uma abordagem econômica sólida e possível para o crescimento de longo prazo:
— A menina dos olhos este ano no Brasil é a questão da desigualdade, pobreza e a fome. Tem uma atenção saudável que, se for bem capitaneada, é positiva. (…) O melhor exemplo que poderíamos seguir é o caminho do meio: crescer e combater a desigualdade. Isso seria uma dupla queda de pobreza, especialmente se for mantido esse esforço ao longo do tempo — conclui Neri.
Daniel Duque, economista e pesquisador do FGV Ibre, também prevê uma melhora significativa em termos estatísticos da situação de pobreza dos brasileiros em 2023. Isso porque, além da melhora do mercado de trabalho no ano passado, houve a recriação do benefício variável do Bolsa Família, afirma.
Duque destaca que a extrema pobreza é concentrada em famílias com muitas crianças, e o atual desenho do Bolsa Família foca justamente nesta parcela da população, combatendo a pobreza de modo mais eficiente. Apesar da perspectiva de queda da pobreza, o Brasil não deve deixar o posto de segundo lugar do ranking entre os países do G20, afirma o economista.
Não temos um crescimento pujante como o da Indonésia, que vem crescendo a 6%, 7%, e que vá resultar no fim da pobreza extrema no Brasil — diz Duque.
Segundo Duque, o país tem condições de eliminar a extrema pobreza com recursos próprios, mas é preciso que haja uma ativa e eficiente para encontrar as famílias que estão com necessidades extremas de renda.
No âmbito do G20, contudo, Duque avalia que o governo pode ajudar a protagonizar a discussão sobre Aliança Global contra a Fome e a Pobreza para auxiliar o combate às desigualdade em outros países do Sul Global que não tem recursos suficientes:
O Brasil é um dos poucos países do G20 que estão no Sul Global e há muitos anos se coloca como impulsionador de uma agenda que pode beneficiar diversos outros países do Sul Global. Acredito que isso vai na direção certa, além de ser uma agenda moralmente correta no intuito de tentar acabar com a pobreza extrema — avalia Duque.
Na área rural, mais de um terço abaixo da linha de pobreza
Numa outra análise, o IBGE considerou o ganho de US$ 5,50 por dia, considerada a linha pobreza nacional, definida pelo instituto. Sob esta ótica, 31,6% da população brasileira viviam abaixo da linha de pobreza em 2022.
A falta de recursos é mais concentrada nas pessoas mais jovens, com até 17 anos de idade. Entre as crianças de 0 a 14 anos, 48% delas viviam abaixo da linha de pobreza naquele ano.
A pobreza também é mais presente nas zonas rurais. Mais de um terço da população (38,7%) que morava na área rural em 2022 viviam abaixo da linha nacional de pobreza no Brasil. Na área urbana, esse percentual era de 15,3%.
Os dados foram obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
Mais frequente entre as famílias que vivem na pobreza ou na extrema pobreza, a falta de saneamento ainda afeta muitos brasileiros e provoca risco de mortes. A taxa de mortalidade por conta da ausência de saneamento e higiene foi 4,4 óbitos por 100 mil habitantes em 2022. Em 2000, o número de óbitos era de 7,2 a cada 100 mil habitantes.
Os idosos são os mais afetados. Em 2022, 79,2% dos óbitos atribuídos a fontes de água inseguras, saneamento inseguro e/ou falta de higiene ocorreram entre idosos de 60 anos ou mais. Outros 13,5% tinham entre 5 e 59 anos e 7,3% tinham de 0 a 4 anos.
O estudo foi divulgado nesta terça-feira na Casa de Cultura Laura Alvim, espaço tido como a “sede do G20 no Brasil”, em Ipanema, no Rio. A pesquisa abarca temas como saúde, educação, pobreza, mercado de trabalho, gênero e justiça.
(O Globo)