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Saúde do cérebro: de jornais a livros, por que manter o hábito de leitura é tão bom

Benefícios vão desde um menor risco de demência até redução de estresse e aumento de empatia, mostram estudos

Assim como a atividade física regular é essencial para o corpo, o cérebro também precisa de um bom treino para se manter saudável. E a leitura de jornais, livros e revistas é um dos melhores exercícios para ele.

Diversos estudos científicos analisam os impactos de se manter o hábito da leitura. Trabalhos publicados nas últimas décadas mostram que ele não apenas é uma fonte de prazer, como previne o declínio cognitivo, doença de Alzheimer e outras formas de demência, reduz o estresse, gera mais empatia e impacta até mesmo na mortalidade de modo geral.

— A leitura demanda muita atenção, memória e raciocínio. E trabalha a parte de linguagem, de compreensão, vocabulário, o que também é muito positivo. Como consequência, é um estímulo robusto para criar uma reserva cognitiva, que é a capacidade do cérebro de se adaptar a lesões. Quem lê muito ao longo da vida cria mais circuitos neuronais, então tem vias alternativas para realizar uma determinada atividade quando há uma lesão, um desgaste, em alguma delas. Isso é muito estudado hoje — explica Raphael Spera, do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Por isso, numa era em que a maioria dos textos lidos fazem parte de postagens curtas e superficiais em redes sociais e aplicativos de mensagens, Elisa Resende, vice-coordenadora do departamento científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), destaca que se aprofundar em conteúdos mais longos, e com maior grau de complexidade, pode ser uma boa estratégia para trabalhar o cérebro.

— Ler jornais, por exemplo, pode ser muito importante, tanto para combater fake news como para a manutenção da saúde cerebral. Porque além de serem conteúdos que passaram por um crivo, são textos geralmente mais longos, que vão estimular mais o cérebro do que pequenos textinhos no WhastApp. Além de ser um estímulo por manter a pessoa atualizada. Então nós recomendamos muito para os pacientes — afirma a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para os especialistas, quanto mais complexa a leitura for, maior será o benefício. Anne Crunfli, psicóloga especializada em transtornos de ansiedade pela Escola de Medicina da USP, defende que o ideal é diversificar, passear por diferentes estilos de textos que abordem temas variados.

— Quanto mais diversa for a leitura, melhor para o desenvolvimento cultural da pessoa. A leitura não deve ser apenas para entreter, mas sim para se desenvolver, temas diferentes ampliam o olhar e promovem conexão entre assuntos, aumentando os aprendizados. A leitura qualitativa auxilia na construção do pensamento crítico, criativo. É um exercício saudável para o cérebro e para a socialização — garante.

Doenças neurológicas
O melhor efeito para a saúde, pontuam os especialistas, é na redução do risco de doenças neurodegenerativas a longo prazo. Um trabalho publicado na revista científica Neurology, em 2022, analisou 38 estudos sobre o tema e identificou que atividades intelectuais, como ler por prazer, estão associadas a um risco 23% menor de demência. Por outro lado, um trabalho da Universidade de Columbia, nos EUA, descobriu que a perda cognitiva é quase três vezes mais comum entre adultos analfabetos.

Mas mesmo quem já está em fases mais avançadas da vida pode se beneficiar de começar um hábito de leitura. Outro estudo, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, identificou que idosos que relataram ler frequentemente tiveram um declínio cognitivo mais lento do que aqueles que não liam.

— Eu sempre recomendo aos meus pacientes. Mesmo aqueles que têm quadros de demência, prejuízo cognitivo. Especialmente nas fases iniciais dessas doenças, nós vemos benefícios tanto nos aspectos cognitivos, como nos psicológicos — diz Spera.

Ler também proporciona uma melhor saúde mental. Ainda em 2009, um estudo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, já havia mostrado que o hábito reduz o estresse em 68%, mais do que o observado ao ouvir música ou fazer uma caminhada, por exemplo.

— A leitura permite que fujamos de picos de dopamina, o prazer imediato que já nos vem pronto com as redes sociais. Esse excesso de estímulos nos deixa mais impulsivos, nervosos. Já a leitura, gera o contrário, ela estimula o foco, a imaginação, o aprendizado, a resiliência, porque não vem pronta, é preciso empenho para traduzir as palavras em conceitos coerentes, que façam sentido. Com isso, diminui o estresse, diminuindo a frequência cardíaca e aliviando a tensão dos músculos durante o processo — detalha Crunfli.

Um dos impactos mais marcantes dessas repercussões fisiológicas é na mortalidade. Uma pesquisa da Universidade de Yale, nos EUA, acompanhou um grupo por 12 anos e descobriu que aqueles que passaram até 3,5 horas por semana lendo tiveram um risco 17% menor de morrer. Os que liam mais do que isso tinham 23% menos chances de morrer em comparação com os que não liam.

Como começar
Outro efeito positivo observado nos estudos é o aumento da empatia. Ainda em 2013, pesquisadores da New School for Social Research, nos EUA, publicaram na prestigiosa Science experimentos que revelaram que “a leitura de ficção literária aprimora um conjunto de habilidades e processos de pensamento fundamentais para relacionamentos sociais complexos — e sociedades funcionais”.

— Os estudos mostram essa capacidade de ter mais empatia, de se colocar no lugar do outro, de se sensibilizar mais. Quando você lê, você tem diversos personagens, histórias diferentes, e você se coloca no lugar desses pontos de vista — avalia Spera.

Em relação ao quanto é necessário para atingir os benefícios, Resende lembra que “qualquer leitura já é considerada positiva. Assim como acontece com o exercício físico, alguma coisa já é melhor do que nada”.

Para quem nunca teve o hábito, ou está numa famosa “ressaca literária” – quando é difícil iniciar um novo livro após terminar uma história arrebatadora –, Crunfli sugere ir aos poucos:

— Tente um número pequeno de páginas e vá aumentando sucessivamente. Caso contrário, torna-se insustentável. O foco é construir o hábito da leitura, e para isso é necessário que seja feito aos poucos e de maneira contínua.

De acordo com os especialistas, o mesmo vale para o jornal: comece pela sua editoria preferida e vá abrindo o leque e explorando novos assuntos.

(CNN)