País tem 575 desses animais que ajudam a controlar doenças, transportam nutrientes ou proporcionam algum outro benefício, mas 20% estão ameaçados, mostra estudo
Um estudo liderado por ecólogos da UFRJ investigou o quanto os mamíferos nativos do Brasil beneficiam os humanos e concluiu que 82% das 700 espécies avaliadas prestam algum tipo de “serviço ambiental”.
O trabalho avaliou quantos desses animais auxiliam em funções como controle de pragas, transporte de nutrientes no solo e na água e dispersão de sementes, totalizando 11 diferentes formas de benefício.
A pesquisa foi liderada pela ecóloga Mariana Vale, com colaboradores da USP, UERJ, UFSM e Universidade de Grenoble (França). O trabalho foi feito com base em uma extensa revisão da literatura acadêmica com uma centena de outros estudos, consulta a bancos de dados de pesquisa e outras fontes.
Entre os mamíferos que mais se destacam na contagem dos serviços ambientais estão os macacos, dos quais a maioria das espécies são importantes para dispersar sementes e manter a saúde da vegetação nativa. Esses animais também são importantes para como sentinelas de epidemias de doenças, ajudando a alertar autoridades de saúde para a dispersão de mosquitos da febre amarela, por exemplo.
Como capacidade individual, os animais que mais se sobressaem são os tatus. Apesar de existirem em número menor que os macacos, as espécies dessa ordem são capazes de prover 7 dos 11 diferentes serviços ambientais listados pelos pesquisadores, notadamente ajudando a enriquecer o solo transportando nutrientes de baixo para cima ao cavar túneis.
A notícia ruim contida no estudo é que cerca de 20% dos animais incluídos no estudo estão em algum status de ameaça de extinção de acordo com os critérios da União Internacional para Conservação da Naturez (IUCN). Das espécies nessa situação preocupante, um quarto delas existe só no Brasil, e 56% dessas já tem seu potencial de benefício diminuído em função da queda de suas populações.
— O Brasil tem uma fauna riquíssima e belíssima, que deve ser preservada não só pela importância que ela tem como parte do nosso capital natural, mas também porque elas têm serviços ecossistemicos mais tangíveis para a sociedade como um todo — conta Vale. — As espécies também têm importância socioeconômica, além do valor intrínseco que elas têm.
No estudo publicado neste mês, os cientistas elencaram também o valor cultural que algumas espécies tem, que resultam de alguma forma em contribuição econômica. Ela pode ser gerada pelo apelo que esses animais geram para o ecoturismo, ou até cuprindo funções mais abstratas, como protagonistas de filmes documentários ou até como símbolo de marcas registradas.
Por ter muitas ordens de animais associadas à identidade nacional do Brasil, mamíferos como antas, onças, tamanduás e capivaras tem uma importância cultural que existe de forma concreta, apesar de ser difícil de quantificar em termos financeiros.
Uma das motivações para a realização do estudo sobre os mamíferos é que já existe na literatura científica muitos trabalhos sobre serviços ecossistêmicos prestados pelas plantas. Captação de água e retenção do CO2 para frear o aquecimento estufa são os dois benefícios das plantas que estão mais em evidência. Sobre o bem que os animais fazem, porém, a produção acadêmica ainda é escassa.
— Nossa intenção em falar dos animais não é competir com a flora sobre quais serviços são os mais relevantes nem sobre quem deve ter prioridade de conservação. As duas frentes se complementam, até porque a preservação da cobertura vegetal é a melhor estratégia para preservar a fauna — diz Vale. — A maior ameaça que existe para a fauna ainda é a perda de habitat.
Benefícios ameaçados
No estudo, a ecóloga e seus coautores apresentam também uma série de mapas, mostrando quais serviços ambientais dos mamíferos são mais relevantes em cada lugar.
No Sudeste, por exemplo, gambás são importantes no controle de carniça. No Centro-Oeste, existe uma grande variedade de carnívoros fazendo controle da população de roedores. Na calha Norte do rio Amazonas, morcegos são muito importantes para a polinização. No litoral gaúcho, cetáceos são essenciais para regular a cadeia alimentar marinha.
Na maioria dos lugares do país em que existe uma sinergia dos mamíferos com humanos, porém, essa relação está se enfraquecendo.
— A gente está vivendo hoje uma crise de biodiversidade, que é marcada pela perda de hábitat, mas também pelas mudanças climáticas, pelas espécies invasoras, pela poluição e outros extressores — afirma a pesquisadora. — Por isso a gente acredita que vai haver uma piora gradativa na prestação dos serviços ecossistêmicos pela fauna.
Vale conta que o trabalho sobre os mamíferos é o primeiro de uma série que seu grupo de pesquisa prepara sobre serviços ambientais prestados pelos animais. O segundo, que vai enfocar as aves, já está em fase de produção. O estudo sobre os mamíferos foi publicado na última edição do periódico Perspectives in Ecology and Conservation.
(Metrópoles)