Trabalho voluntário se expande no país desde a pandemia da covid-19 e ONGs atuam em várias frentes e estados
(crédito: Nick Morrison/Unsplash)
Trabalhar sem receber nada em troca, e por livre e espontânea vontade, não parece algo atrativo em uma sociedade que preza pelo financeiro e o material. Ainda assim, pensar que existe uma pessoa do outro lado que se beneficia e agradece pelo seu trabalho árduo faz com que muitas pessoas pensem duas vezes ao recusar uma atividade sem remuneração. Isso é chamado de trabalho voluntário. É com esse sentimento de solidariedade e de amparo ao próximo que milhares de brasileiros se mobilizam para fazer algum trabalho voluntário que ajuda a quem precisa.
Desde a pandemia da covid-19, o incentivo ao trabalho voluntário cresceu em todo o país. Conforme dados da última pesquisa de Voluntariado no Brasil do Desenvolvendo o Investimento Social (Idis) e do Datafolha, de 2021, 56% da população adulta diz fazer ou já ter feito algum tipo de atividade voluntária. Os resultados foram muito positivos quando comparados às últimas edições da pesquisa, em 2011 (25%) e em 2001 (18%). O levantamento também mostrou que, em 2021, 34% dos entrevistados estavam comprometidos com atividades voluntárias, o que corresponde a 57 milhões de brasileiros.
Nos picos mais altos da pandemia, mesmo com o isolamento social, 47% dos entrevistados relataram praticar mais o voluntariado, tendo como atividade mais comum a distribuição de recursos (61%). No mesmo período, 21% passaram a fazer atividades voluntárias on-line, sendo as mais comuns as atividades de apoio psicológico e de educação.
Misturados por todo o país, as Organizações Não Governamentais (ONGs) de voluntários ajudam todos os tipos de pessoas e animais em situações de vulnerabilidade. Em Fortaleza, a ONG Ser Ponte atua com repasse de renda para mulheres chefes de família de baixa renda. Segundo a fundadora, Valéria Pinheiro, o projeto surgiu como uma medida emergencial para famílias em situação de vulnerabilidade durante a pandemia. “Em abril de 2020, a gente conseguiu fazer o primeiro repasse de dinheiro para 45 mulheres chefes de família. Todo o dinheiro de doações era passado para minha conta e depois redistribuído para as famílias”, explica.
À época, Valéria Pinheiro entendia que, por questão de segurança sanitária, tentar arrecadar cestas básicas iria demandar muito para uma ONG que estava começando e colocaria todos em risco de ser contaminados pelo vírus, por isso optaram pela doação em dinheiro. “A gente entende também que cada família tem sua necessidade. Então, pensamos o projeto na perspectiva de levar autonomia para que essas mulheres decidam sobre o uso dos recursos. Muitas vezes, pode ser para comida, ou pagar uma dívida, ou comprar um remédio, ou arrumar alguma coisa em casa. Por isso, desde o primeiro momento decidimos fazer o repasse da ajuda em dinheiro”, aponta.
O Ser Ponte tenta disponibilizar todos os meses para as mulheres uma quantia entre R$ 200 e R$ 150, dependendo da quantidade de doações e de famílias beneficiadas. Atualmente, a ONG ajuda 48 mulheres em 6 territórios em Fortaleza, mas já chegou a apoiar 250 famílias em 23 localidades da cidade durante o período mais crítico da pandemia, em que recebiam muitas doações. Valéria explica que para se manter em funcionamento, o Ser Ponte precisa de R$ 16 mil por mês, mesmo com a maioria das trabalhadoras serem voluntárias.
“Em novembro de 2021, nós nos tornamos pessoas jurídicas, como associação civil sem fins lucrativos e, então, criamos um conselho fiscal no qual apresentamos um relatório financeiro todos os meses aberto para quem doa e para quem recebe. Ser uma ONG que trabalha repassando dinheiro não é comum, mas tem funcionado muito bem. Acreditamos que disponibilizar esse dinheiro para a mulher fazer o que precisar é uma injeção de confiança para ela”, conta a fundadora.
Além do repasse de renda, o Ser Ponte também trabalha com um grupo de psicólogas voluntárias que faz, desde 2021, um atendimento individual e coletivo para as mulheres das comunidades e grupos militares dos direitos das mulheres. “Durante a epidemia também fomos por esse lado de ‘cuidar do cuidador’. Nosso grupo de psicólogas voluntárias ajudam essas mulheres que passam a vida ajudando os outros”, diz.
BSB Invisível
Na capital do país, as manifestações e mobilizações para ajudar o próximo também estão presentes em vários aspectos. Um exemplo é o grupo voluntário BSB Invisível, que tem a proposta de contar a história de pessoas “invisíveis” na sociedade, a população em situação de rua. O publicitário e cofundador da ONG, Pedro Campos, explica que o projeto surgiu da vontade de lutar contra o preconceito discriminação que a população de rua enfrenta e tornar as histórias dessas pessoas reais e não mais “invisíveis”.
“São histórias invisíveis contadas por pessoas invisíveis para tentar mudar o olhar da sociedade sobre essas pessoas. Quando você conhece a história de alguém que está em situação de rua, você entende que cada um tem sua individualidade, suas dores e sua trajetória. Então, o principal objetivo do projeto é dar visibilidade para as pessoas contarem suas histórias, além de ser um espaço para eles pedirem ajuda”, explica.
Os vídeos são publicados nas redes sociais do BSB Invisível e são uma forma dos seguidores se sensibilizarem com as histórias e ajudarem no que for possível. Em uma das publicações, o projeto contou a história do Valter, de 32 anos, técnico em manutenção de equipamentos eletrônicos, que foi morar nas ruas devido ao vício em drogas.
“Eu sou técnico em manutenção do celular, notebook, tablet, computador. Eu me perdi, infelizmente, pelas drogas. Mas, atualmente, estou limpo, não utilizo mais, graças a Deus. Mas faltam oportunidades. Meu sonho é ter minha vida de volta. É difícil sair da rua, poder pagar aluguel, ter um cantinho, um teto para dormir. Estou precisando de uma oportunidade de trabalho em qualquer área, pode ser vendas. Durante o dia, eu trabalho geralmente vendendo doces. Sou um bom vendedor”, conta Valter. Ele também pediu ajuda para conseguir roupas novas, pois só tinha as do corpo. Nos comentários, diversas pessoas se mobilizaram para doar roupas, tênis e doces para que ele possa vender no sinal. “Por meio da plataforma digital conseguimos mais visibilidade para esses casos. Para que a sociedade tenha um olhar diferente sobre a população em situação de rua, para que entendam a realidade”, afirma Campos.
Além disso, a ONG também organiza eventos de arrecadação e campanhas de conscientização. “Nós fazemos campanhas de arrecadação de material escolar, de carnaval, que é um apoio aos catadores de lixo que ajudam a limpar a cidade nessa época. Vamos fazer agora também no dia 28 de setembro para o dia das crianças”, conta o publicitário.
Visibilidade no exterior
No outro lado do país, em Alagoas, Carla Fontes, hoje diretora regional da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), começou os trabalhos voluntários com um grupo de amigos durante a pandemia. “A gente identificou a necessidade de alguns grupos de pessoas, como os idosos que não podiam ir ao mercado, outros que não podiam trabalhar. Então, a gente começou a fazer contato com essas pessoas e fazer campanhas de arrecadação”, explica.
Carla Fontes conta que o projeto tomou uma proporção maior do que imaginavam. “A princípio atendíamos 15 famílias, mas foi crescendo tanto que chegou ao ponto que estávamos atendendo 400 famílias por semana, entregando frutas, verduras e doações”, diz. O trabalho dela começou a ganhar mais visibilidade, até que a Adra, uma ONG internacional, se interessou em administrar o projeto. “A partir daí a gente conseguiu fundar o primeiro núcleo da Adra aqui em Alagoas e eu me tornei diretora dessa região”, afirma.
O diretor da Adra no Brasil, Fábio Salles, explica que a ONG funciona no Brasil com 240 projetos de desenvolvimento e emergências espalhados pelo país. “Ano passado nós tivemos 1051 voluntários trabalhando nos projetos, que podem ser parcerias públicas ou privadas. O voluntário vem para acrescentar que o recurso que a gente tem para o projeto não dá conta de suprir.”
Apesar de ser um grupo criado pela igreja Adventista, Salles explica que apenas a liderança é mantida pela igreja, o resto é captado por recursos do governo ou recursos privados.
Carla revela que o trabalho voluntário não ajuda somente quem está do outro lado, mas também quem tira o tempo para ajudar os outros.”Dedique-se ao máximo e doe-se sem esperar nada em troca. O voluntário é quem sai transformado da experiência”, conclui.