Trabalho inédito que comparou ambas as estratégias revela que atividade física não apenas é tão efetiva quanto os medicamentos, como também leva a benefícios adicionais
Por O Globo — Rio de Janeiro
Os benefícios dos antidepressivos e da atividade física para a saúde mental são bem estabelecidos, porém um novo estudo decidiu comparar o efeito de ambas as estratégias entre indivíduos com depressão e/ou ansiedade. Os resultados do trabalho, o primeiro já feito do tipo, apontam que as duas intervenções tiveram um impacto semelhante nas queixas de bem-estar psíquico.
No entanto, os exercícios, que envolveram uma rotina de corrida, também levaram a uma melhora na saúde física, como no peso e na pressão arterial – enquanto o grupo formado pelos participantes que receberam os medicamentos registraram uma pequena piora nos indicadores.
“Os antidepressivos são geralmente seguros e eficazes. Eles funcionam para a maioria das pessoas (…), portanto geralmente são uma boa escolha. No entanto, precisamos ampliar o nosso arsenal de tratamento, uma vez que nem todos os pacientes respondem aos antidepressivos ou estão dispostos a tomá-los. Nossos resultados sugerem que a implementação da terapia com exercícios é algo que deveríamos levar muito mais a sério, pois poderia ser uma boa – e talvez até melhor – escolha para alguns de nossos pacientes”, diz a professora da Universidade Vrije de Amsterdã, na Holanda, e autora do estudo, Brenda Penninx, em comunicado.
Porém, ainda que os resultados apontem que a corrida é mais benéfica, os responsáveis pelo trabalho destacam que outros fatores também devem ser levados em consideração, como a adesão ao tratamento, que foi maior entre os que optaram pelos antidepressivos, e a gravidade do quadro dos participantes, que era ligeiramente pior também no grupo. O trabalho foi publicado na revista científica Journal of Affective Disorders.
“Descobrimos que a maioria das pessoas adere ao uso de antidepressivos, enquanto cerca de metade do grupo de corrida aderiu à terapia de exercícios duas vezes por semana. Dizer aos pacientes para correrem não é suficiente. Mudar o comportamento da atividade física exigirá supervisão adequada e encorajamento como fizemos ao implementar terapia de exercícios em uma instituição de saúde mental”, afirma Penninx.
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O trabalho foi apresentado por ela na última semana durante o congresso do Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia, em Barcelona, na Espanha. Os pesquisadores recrutaram 141 pacientes com diagnóstico de depressão, ansiedade ou de ambas as doenças, e ofereceram duas alternativas de tratamento: o antidepressivo escitalopram ou uma rotina de duas a três sessões por semana de corrida em grupo supervisionada, com duração de 45 minutos cada.
45 participantes optaram pelo antidepressivo, enquanto 96 escolheram a atividade física. Os que preferiram os medicamentos apresentavam um quadro ligeiramente mais depressivo do que os voluntários do segundo grupo. Todos foram acompanhados durante 16 semanas, cerca de quatro meses. Porém, enquanto 82% dos pacientes aderiram corretamente aos fármacos, apenas 52% permaneceram na rotina de exercícios.
No final do estudo, ambos os grupos tiveram um benefício semelhante para a saúde mental: cerca de 44% dos participantes de cada um relataram uma redução nos sintomas de depressão e/ou ansiedade – 44,8% entre os que tomaram o antidepressivo, e 43,3% entre os que optaram pela corrida.
Mas, entre aqueles que preferiram as corridas, também houve uma melhora em indicadores como peso, circunferência da cintura, pressão arterial e função cardíaca. Já no outro grupo, foi registrada uma tendência de piora, ainda que pequena, nesses marcadores.
Penninx destaca a importância dos antidepressivos, especialmente em meio à maior adesão dos participantes, porém afirma que os resultados do estudo reforça a relevância da atividade física como uma alternativa que não apenas é eficaz, como dispensa os riscos de efeitos colaterais associados aos medicamentos.
“Médicos devem estar cientes da desregulação da atividade do sistema nervoso que certos antidepressivos podem causar, especialmente em pacientes que já apresentam problemas cardíacos. Isso também fornece um argumento para considerar seriamente a redução gradual e a descontinuação dos antidepressivos quando os episódios de depressão ou ansiedade tiverem regredido. No final, os pacientes só são verdadeiramente ajudados quando melhoramos a sua saúde mental sem piorar desnecessariamente a sua saúde física”, diz.
Comentando sobre o trabalho, o especialista dos Centros Médicos da Universidade de Amsterdã Eric Ruhe disse que os resultados confirmam que os exercícios físicos podem ser efetivos para o tratamento de problemas de saúde mental. Porém, pontuou que o fato de os participantes terem seguido a intervenção que eles escolheram pode influenciar na análise do estudo.
“A desvantagem é que as comparações entre grupos podem ser tendenciosas em comparação com fazer isso em um estudo verdadeiramente randomizado (em que os grupos são divididos de modo aleatório, e não por escolha). Por exemplo, os pacientes do grupo antidepressivo estavam mais deprimidos, o que pode estar associado a menos chances de persistência nos exercícios. Portanto, temos que ter cuidado para não interpretar exageradamente as comparações entre grupos, o que os autores reconhecem adequadamente”, afirmou.
Além disso, o especialista ressaltou a aderência maior aos medicamentos. Segundo ele, isso mostra que “é mais difícil mudar um hábito de vida do que tomar um comprimido”.
(O Globo)