Ouça Ao Vivo

Morre Rita Lee, pioneira do rock e da afirmação feminina, aos 75 anos

Vítima das complicações de um câncer, cantora teve hits que marcaram gerações e foi símbolo na luta contra a ‘caretice’ nos costumes

Por Felipe Branco Cruz Atualizado em 9 Maio 2023, 12h00 – Publicado em 9 Maio 2023, 11h00

A cantora Rita Lee
A cantora Rita Lee (//Reprodução)

Foi em Rita Lee Jones de Carvalho, paulistana da Vila Mariana, que o baiano Caetano Veloso, ao compor Sampa, enxergou a mais completa tradução da maior metrópole do país. De ascendência americana e italiana, Rita Lee soube, como ninguém, traduzir o rock para os costumes nacionais. Ritmo surgido nos Estados Unidos e que, graças à deselegância discreta de Rita, conquistou toda uma geração de jovens brasileiros nos anos 60 e 70. Na noite desta segunda-feira, 8, o Brasil se despediu de Rita, a rainha do rock brasileiro, que morreu aos 75 anos, em sua casa, após dois anos de tratamento contra um câncer de pulmão. Com mais de 50 anos de carreira, Rita deixa uma marca indelével por seu pioneirismo na música e no comportamento. Foi a primeira mulher a tocar guitarra nos palcos do país e, em suas músicas e na vida pessoal, expôs temas e atitudes que desancavam arraigados tabus, das drogas à liberação sexual. Serena até os últimos dias, Rita comentou em 2020, em um depoimento a VEJA, sobre como encarava a morte: “Peço ao Universo que minha morte seja rápida e indolor, de preferência dormindo e sonhando que estou com minha família numa praia do Caribe”, disse.

Nascida em 31 de dezembro de 1947, Rita começou a se interessar por música ainda na adolescência ao participar de vários conjuntos musicais adolescentes. Em 1965, ela conheceu os irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista, uma amizade que revolucionaria a música brasileira. Com influências dos britânicos dos Beatles e do rock vindo dos Estados Unidos, o trio formaria no ano seguinte o grupo Os Bruxos, logo depois rebatizado de Os Mutantes, inspirado na ficção científica O Império dos Mutantes, de Stefan Wul. O nome foi sugerido por outro amigo da turma, o cantor Ronnie Von, à época apresentador do dominical O Pequeno Mundo de Ronnie Von, transmitido pela TV Record, onde a banda estreou em 15 de outubro de 1966. No ano seguinte, eles surpreenderam o país com uma apresentação memorável no III Festival da Música Brasileira, também na Record, acompanhando Gilberto Gil na música Domingo no Parque.

O primeiro álbum com os Mutantes foi lançado em 1968 e contou com hits como Baby (de Caetano Veloso), A Minha Menina (de Jorge Ben) e Bat Macumba (de Caetano e Gilberto Gil). No mesmo ano, a banda participaria também do lançamento de um dos movimentos mais emblemáticos da música brasileira, a Tropicália, com o álbum Tropicália ou Panis Et Circencis, com a participação de Caetano, Gil, Gal Costa, Tom Zé e Nara Leão. Com canções psicodélicas e o uso inovador e criativo de vários objetos como instrumentos musicais, os discos seguintes dos Mutantes entrariam para a história da música brasileira, como A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970), Jardim Elétrico (1971) e Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets (1972). Até hoje, esses discos são influentes e cultuados no exterior.

Em 1968, Rita se casou com o colega de banda Arnaldo Baptista, mas o relacionamento foi marcado por traições de Baptista e brigas. Em 1972, ela acabou expulsa da banda pelo próprio músico, marcando também o fim da formação clássica dos Mutantes. Com a saída da cantora, a banda perdeu o rumo, enquanto Rita engatou uma nova e fértil carreira musical no ano seguinte com a formação da banda Tutti Frutti, com Lúcia Turnbull, o guitarrista Luis Sérgio Carlini e o baixista Lee Marcucci. São desse período algumas das canções mais lembradas da artista, como Agora Só Falta VocêEsse Tal de Roque Enrow e Ovelha Negra. Esta última música, aliás, se tornou um dos hinos das meninas durante os anos da ditadura militar, com o marcante verso “foi quando meu pai me disse filha / você é a ovelha negra da família”.

Aos 28 anos, em 1976, Rita conheceu o guitarrista Roberto de Carvalho, por quem se apaixonou e que se tornaria seu maior parceiro musical e de vida até o fim. Em agosto daquele mesmo ano, já grávida de três meses de seu primeiro filho, Beto Lee, Rita foi presa pela ditadura por porte de maconha. A artista foi usada como exemplo de mau comportamento para a juventude da época. No segundo dia de prisão, Elis Regina foi visitá-la, acompanhada do filho João Marcelo Bôscoli, então com 6 anos. Rita lembrava-se com muito carinho da visita porque Elis foi a única artista a visitá-la na cadeia. Em uma entrevista a Ronnie Von, a cantora relembrou do dia: “Quando o carcereiro falou: ‘Ô, Ovelha Negra, tem uma cantora famosa rodando a baiana, dizendo que vai chamar a imprensa. Ela quer te ver’.” Durante a visita, Elis exigiu que um médico visitasse a roqueira. Depois de alguns dias presa, Rita foi julgada e condenada a prisão domiciliar e multa de 50 salários mínimos. “Sempre fui considerada grupo de risco. Desde que entrei para o mundo da música, fui a artista mais censurada na época da ditadura no país, por ser tida como uma mulher perigosa para os bons costume da família brasileira”, disse a cantora a VEJA.

Após cumprir a prisão domiciliar, Rita ainda lançou mais um álbum com o Tutti Frutti, porém em 1978 decidiu seguir carreira-solo, tendo como inseparável companheiro o marido Roberto de Carvalho. Vêm dessa época grandes sucessos como Mania de Você, Chega MaisDoce VampiroLança Perfume, Nem Luxo Nem Lixo e muitos outros. Sobre um de seus maiores sucesso, Baila Comigo, disse a VEJA, também em 2020, que a canção foi composta em um sonho. “Ela me veio inteirinha em sonho, letra e melodia. Quando acordei, anotei a letra e fiz a harmonia no violão. Sinto que Baila Comigo foi um sopro vindo de alguma entidade indígena.”

Nos anos seguintes, Rita seguiu fazendo shows, lançando discos e se dedicando a outros trabalhos, como o de escritora. Lançou diversos livros infantis do personagem Dr. Alex, além de uma autobiografia. Em 1995, ela foi convidada para abrir o show da banda Rolling Stones no Brasil. O último disco de estúdio, Reza, saiu em 2012 e dali em diante a cantora decidiu desacelerar, se isolou em sua casa, cuidando de seus animais e de suas plantinhas. “Desde que deixei os palcos, há oito anos, vivo confinada na minha toca, numa casinha no meio do mato cercada de bichos e plantas, só saindo para ir ao dentista, fazer supermercado, comprar ração para meus animais e, eventualmente, visitar meus netos. Hoje, faço tudo pela internet e rezo para não quebrar um dente”, disse a VEJA.

Os últimos anos foram especialmente desafiadores para a cantora. Em 2021, ela foi diagnosticada com câncer de pulmão e, de maneira bastante irônica, disse ter batizado o tumor de Jair — referência, claro, ao então presidente Jair Bolsonaro, que encarnava a chegada ao poder do reacionarismo empedernido contra o qual ela se bateu a vida toda. No mesmo ano, Rita inaugurou uma megaexposição da carreira no MIS, em São Paulo e lançou também uma música inédita, Change. No ano passado, foi homenageada no Grammy Latino com o prêmio Lifetime Achievement Award pelo conjunto de sua obra artística.

Rita Lee em 1986 -
1/42 Rita Lee em 1986 – (Luis Dantas/Dedoc)
Rita Lee patinando no Ibirapuera, em 1986 -
2/42 Rita Lee patinando no Ibirapuera, em 1986 – (Pedro Martinelli/Dedoc)
Rita Lee durante show no Canecão, em 1995 -
3/42 Rita Lee durante show no Canecão, em 1995 – (Paulo Jares/VEJA)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes -
4/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes – (Cristiano Mascaro/Dedoc)
Rita Lee durante um show, em 2009 -
5/42 Rita Lee durante um show, em 2009 – (//Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes -
6/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes – (Cristiano Mascaro/Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show -
7/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show – (Cristiano Mascaro/Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show -
8/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show – (Cristiano Mascaro/Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes -
9/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes – (J.Ferreira da Silva/Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show -
10/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show – (//Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes -
11/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes – (J.Ferreira da Silva/Dedoc)
Rita Lee com Luana Piovani, que está usando uma peruca em homenagem à cantora, em seu camarim de seu show na Marina da Glória, em 2001 -
12/42 Rita Lee com Luana Piovani, que está usando uma peruca em homenagem à cantora, em seu camarim de seu show na Marina da Glória, em 2001 – (Jorge Marcilio/Dedoc)
Rita Lee e Amaury Jr., em 1969 -
13/42 Rita Lee e Amaury Jr., em 1969 – (//Arquivo pessoal)
Caetano Veloso e "Os Mutantes" no show "Divino Maravilhoso" -
14/42 Caetano Veloso e “Os Mutantes” no show “Divino Maravilhoso” – (Paulo Salomão/Dedoc)
Caetano Veloso com os integrantes dos Mutantes: Rita Lee, Sérgio Dias Baptista e Arnaldo Baptista, no programa "Divino, Maravilhoso", da TV Tupi -
15/42 Caetano Veloso com os integrantes dos Mutantes: Rita Lee, Sérgio Dias Baptista e Arnaldo Baptista, no programa “Divino, Maravilhoso”, da TV Tupi – (Paulo Salomão/Dedoc)
Fernanda Young e Rita Lee, na festa de entrega do Prêmio Qualidade Brasil 2003, no Credicard Hall -
16/42 Fernanda Young e Rita Lee, na festa de entrega do Prêmio Qualidade Brasil 2003, no Credicard Hall – (Renato Pizzutto/Dedoc)
Maria Paula no show de Rita Lee, durante beijo na cantora, nop ano de 2001 -
17/42 Maria Paula no show de Rita Lee, durante beijo na cantora, nop ano de 2001 – (Ivone Perez/Dedoc)
Roberto de Carvalho e Rita Lee durante show no Rock in Rio, em 1985 -
18/42 Roberto de Carvalho e Rita Lee durante show no Rock in Rio, em 1985 – (Pedro Martinelli/Dedoc)
Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show -
19/42 Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias Baptista, do conjunto Os Mutantes, durante um show – (Cristiano Mascaro/Dedoc)
Rita Lee, cantora, em 1975 -
20/42 Rita Lee, cantora, em 1975 – (Leonardo Costa/Dedoc)
Rita Lee e Roberto de Carvalho no programa de TV "Madame Lee", do canal GNT, em 2006 -
21/42 Rita Lee e Roberto de Carvalho no programa de TV “Madame Lee”, do canal GNT, em 2006 – (//Dedoc)
A cantora Rita Lee -
22/42 A cantora Rita Lee – (Leonardo Costa/Dedoc)
Rita Lee em show na TV Globo, em 1981 -
23/42 Rita Lee em show na TV Globo, em 1981 – (Sergio Berezovsky/Dedoc)
Rita Lee -
24/42 Rita Lee – (Leonardo Costa/Dedoc)
Rita Lee e Roberto de Carvalho, na Urca -
25/42 Rita Lee e Roberto de Carvalho, na Urca – (Antonio Augusto Fontes/Dedoc)
Roberto de Carvalho e Rita Lee, em 1988 -
26/42 Roberto de Carvalho e Rita Lee, em 1988 – (Cristina Granato/Dedoc)
Rita Lee e o conjunto Tutti Frutti -
27/42 Rita Lee e o conjunto Tutti Frutti – (J.Ferreira da Silva/Dedoc)
Arnaldo Baptista, Sérgio Dias Baptista e Rita Lee, do conjunto Os Mutantes -
28/42 Arnaldo Baptista, Sérgio Dias Baptista e Rita Lee, do conjunto Os Mutantes – (Jean Solari/Dedoc)
Rita Lee e Roberto de Carvalho, em 1987 -
29/42 Rita Lee e Roberto de Carvalho, em 1987 – (Nellie Solitrenick/Dedoc)
Rita Lee com o marido Roberto Carvalho e os filhos Roberto e João, em 1979 -
30/42 Rita Lee com o marido Roberto Carvalho e os filhos Roberto e João, em 1979 – (Pedro Martinelli/Dedoc)
Roberto de Carvalho e Rita Lee, em 1983 -
31/42 Roberto de Carvalho e Rita Lee, em 1983 – (Pedro Martinelli/Dedoc)
Rita Lee e Roberto Carvalho -
32/42 Rita Lee e Roberto Carvalho – (Pedro Martinelli/Dedoc)
Rita Lee com os integrantes da banda Os Mutantes -
33/42 Rita Lee com os integrantes da banda Os Mutantes – (Leonardo Costa/Dedoc)
Rita Lee e o conjunto Tutti Frutti -
34/42 Rita Lee e o conjunto Tutti Frutti – (Leonardo Costa/Dedoc)
Rita Lee no Show do Ano no Ginásio da Portuguesa -
35/42 Rita Lee no Show do Ano no Ginásio da Portuguesa – (Paulo Salomão/Dedoc)
Rita Lee com Roberto de Carvalho, em 1982 -
36/42 Rita Lee com Roberto de Carvalho, em 1982 – (Sergio Berezovsky/Dedoc)
A cantora Rita Lee, em 1985 -
37/42 A cantora Rita Lee, em 1985 – (Jorge Rosenborg/Dedoc)
Rita Lee, cantora -
38/42 Rita Lee, cantora – (//TV Globo)
Rita Lee, cantora, em 1991 -
39/42 Rita Lee, cantora, em 1991 – (Dudu Tresca/Dedoc)
Rita Lee durante show no Hollywood Rock 1995, no Estádio do Pacaembu -
40/42 Rita Lee durante show no Hollywood Rock 1995, no Estádio do Pacaembu – (Claudio Rossi/Dedoc)
Rita Lee, em 1979 -
41/42 Rita Lee, em 1979 – (J. Ferreira da Silva/Dedoc)
Rita Lee durante show em 2008 -
42/42 Rita Lee durante show em 2008 – (Patricia Cecatti/Dedoc)

(Veja)