Continuação embalsama a franquia em tempo real
A vantagem de Pânico sobre outras séries longevas de filmes de maníaco é que a rotatividade do vilão traz sempre um cheiro de novidade para as continuações. Enquanto Halloween historicamente se desdobra para encaixar novas lições ou motivações de Michael Myers na mitologia, o whodunit da identidade de Ghostface preserva minimamente o interesse do público – e por ser algo pontual que se resolve filme a filme, preserva também o caráter imediato, descomplicado e autônomo de cada episódio.
Isso continua sendo relativamente verdadeiro em Pânico 6, cuja trama se passa um ano depois do longa anterior, lançado em 2022, e lida com os desdobramentos do ataque recente em Woodsboro na vida de Sam (Melissa Barrera) e Tara (Jenna Ortega). Digo “relativamente” porque, embora o caso da vez tenha começo, meio e fim, este sexto filme lida também com a realidade de Pânico como uma propriedade intelectual franqueável numa indústria em declínio cujo principal negócio é vender nostalgia.
É possível argumentar que a sensação e a necessidade de nostalgia sejam fundamentalmente placebos de um ponto de vista narrativo, e no caso de Pânico – uma franquia cuja energia depende bastante da descartabilidade com que histórias se resolvem à base de muitas punhaladas e depois recomeçam como se nada tivesse acontecido – parece contraproducente ficar se prendendo a um sentimento de perda. Ainda assim, Pânico 6 incorpora a nostalgia meio acriticamente (embora, claro, haja sempre um personagem chamando a atenção para esse fato nas tiradas metalinguísticas).
O principal valor de Pânico 5 – talvez o único – era a brutalidade com que os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett e os roteiristas James Vanderbilt e Guy Busick herdaram a criação de Kevin Williamson e do finado Wes Craven. Ver David Arquette tomar uma sequência de facadas no longa anterior, uma cena impregnada de penitência e desdém, em boa medida servia como antídoto ao instinto de autopreservação que se espera de toda franquia hollywoodiana hoje: o gesto em si parecia um lembrete raivoso de que é preciso destruir para construir.PUBLICIDADE
Ora, Williamson e Craven sempre souberam disso e construíram Pânico em cima de um exercício divertido de subversão do gênero, para encontrar um oxigênio novo nas vísceras abertas do slasher movie. O quarteto criativo de Pânico 5 desconsidera essa lição e inclusive volta em Pânico 6 bem menos brutal em matéria de autoflagelo. O filme transcorre pequeno, prosaico, televisivo (de que adianta levar a trama para Nova York sem pensar numa sequência grandiosa de perseguição de rua para além da básica “cena do metrô cheio”), e todas as autorreferências aos longas anteriores viram texto indulgente com a mesma cadência aborrecida com que um detetive de homicídios revisita fotos do crime numa pasta de cold case.
Que fim horrível, ver Pânico sendo embalsamado em tempo real, trocando as brincadeiras de metalinguagem pela autoimportância, como se lembrar os nomes e os padrões dos assassinos do passado servisse para alguma coisa na solução do mistério. Ainda resta algum prazer em Pânico 6; o maior deles para mim é acompanhar como a natureza paródica da franquia permite que o elenco todo opere num mesmo nível de canastrice, e como essa canastrice nivelada faz realmente do whodunit uma roleta russa: qualquer um desses maus atores pode ser o maníaco da rodada, de verdade.
Até aí, Maligno (2021) também usava a seu favor a canastrice e o desdém com as convenções do mistério policial, com a vantagem de não precisar ficar sublinhando isso nos diálogos a cada dez minutos para não causar nenhum malentendido com o espectador. Este obituário breve da franquia Pânico se encerra então estrategicamente com mais um lembrete de que James Wan é um dos poucos hoje em Hollywood que pode de fato reivindicar para si as heranças de Wes Craven.