Editores da música brasileira ofereceram 30% dos direitos aos estrangeiros. Sony, que representa Nelly Furtado, queria liberar gravação, mas com 100% aos estrangeiros e multa de US$ 40 mil.
Nelly Furtado (esquerda), autora de ‘Say it right’, música com refrão aproveitado em ‘Lovezinho’, hit dançado por Xurrasco e cantado por Treyce (esquerda) — Foto: Divulgação / g1
A música “Lovezinho” foi tirada do ar depois de uma negociação em que os editores da música brasileira ofereceram 30% dos direitos autorais para Nelly Furtado e seus parceiros em “Say it right” pelo uso da melodia do refrão.
Por outro lado, a editora que representa a canadense queria 100% da autoria para os estrangeiros, e uma multa de US$ 40 mil (cerca de R$ 200 mil), pelo uso sem autorização da obra deles por Treyce e WK, autores de “Lovezinho”.
A g1 falou com José Diamantino, diretor jurídico da Sony Music, que representa Nelly Furtado em “Say it right”, Vinícius Pinheiro, consultor jurídico da EM Publisher, que representa o produtor WK, e Priscila Sena, advogada de Treyce.
Qual foi o problema?
“Lovezinho”, um dos hits do carnaval de 2023, usa a melodia do refrão de “Say it right”, lançada em 2006 por Nelly Furtado. A composição é dela com os produtores norte-americanos Timbaland e Danja.
O uso não foi autorizado previamente, conforme as regras de direitos autorais. Por isso a editora de Nelly Furtado cobrou estes direitos há dois meses, e eles começaram a negociar.
Editora é a empresa que cuida de direitos autorais. Quando registra uma música, ele escolhe uma editora para tratar destes direitos. A empresa passa a negociar o uso da obra em nome do músico
Qual foi a proposta dos editores dos brasileiros?
Treyce — Foto: Divulgação
Vinícius Pinheiro diz que a oferta foi de 30% dos direitos aos estrangeiros. Segundo ele, a fatia já era maior do que eles pretendiam dar antes, que era de 20%.
“Não tinha uma abertura da parte deles. Avisaram que seria derrubado semana passada, e agora caiu”, diz Vinícius. “A Sony impôs 0% do autoral, mais multa de US$ 40 mil, com a qual não concordamos.”
Qual foi a proposta dos editores dos estrangeiros?
Nelly Furtado — Foto: Divulgação
“O fato de propormos 100% do autoral (para os autores de “Say it right”) não é arbitrário. É super comum em caso de versões”, diz José Diamantino.
“Em ‘Festa no apê’, do Latino, por exemplo, (versão da música romena ‘Dragostea Din Tei’), ele não ficou com nada autoral, mas conseguiu a liberação da música e fez sucesso com ela”, ele exemplifica.
Neste ponto está a grande diferença: os estrangeiros consideram que “Lovezinho” é uma versão de “Say it right” (a mesma música adaptada para outra língua). Mas os brasileiros alegam ser apenas uma citação (trecho ou elemento de uma música incluído em outra).
A expectativa de Treyce e WK pode ter aumentado devido ao caso do forró “Coração cachorro”, em que o inglês James Blunt autorizou o uso de sua melodia e pediu apenas 20% da autoria no acordo.
“Isso aconteceu por causa da intervenção do artista (James Blunt)”, diz Diamantino. A Sony também era a editora do cantor inglês. No caso de “Say it right”, o pedido do exterior para liberar um percentual menor nunca aconteceu.
Ele diz que não sabe se Nelly Furtado acompanha pessoalmente a negociação, mas que todos os passos da conversa, inclusive da retirada do ar, foram aprovados pela Sony Publishing no exterior, que fica em contato com os donos dos direitos autorais.
“O correto seria ter feito o pedido antes”, ele diz. “Mesmo assim, depois de tudo, não houve a agilidade do caso de ‘Coração cachorro’. Ficou naquela de ‘peraí, vamos conversar’. Você sente que a pessoa não quer resolver”, diz o diretor jurídico da Sony.
Com quem está a verba autoral já arrecadada de ‘Lovezinho’?
O dinheiro autoral que a música rendeu nunca foi distribuído. Por causa da disputa, a verba está parada no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e nas plataformas de streaming, até a resolução. Os advogados não disseram qual é o valor.
Treyce ficou sem nada?
Não, ela arrecadou diretos como intérprete da música.
O YouTube, por exemplo, paga uma parte dos rendimentos aos autores e outra a quem interpreta as obras. Ela ficou com toda a parte não-autoral, além de outros rendimentos de seus canais nesta e em outras plataformas, shows e mais atividades que vieram com o hit.
‘Lovezinho’ pode voltar?
Há esperança de o “Lovezinho” voltar. José Diamantino diz que o objetivo não era tirar a música do ar. “A gente continua aberto a um acordo”, ele diz. “Não é que não possa ser legalizado. O que a gente não pode aceitar é esse ‘vamos conversando’ enquanto a música toca e gera dinheiro.”
O lado dos brasileiros não sabe qual será a sequência de “Lovezinho”. “Estamos conversando para saber qual é a medida. Não é que desistimos, mas estamos avaliando”, diz Vinícius.
(g1)